“O ego passa a existir enquanto a criança cresce. Todos nós fomos crianças e passamos por esse processo. Depois de dois ou três anos de vida a criança domina a linguagem, a capacidade de pensar e de imaginar. Mas essas capacidades, em si mesmas, não são o ego. Elas são adquiridas por um processo de evolução biológica que é parte da ordem natural. Quando juntamos essas capacidades com o instinto de buscar o prazer e evitar a dor, que existe também no animal, temos uma receita para a formação do ego, porque na consciência humana existem não apenas a dor e o prazer físico, mas também a dor e o prazer psicológicos.
(...)
Quando
você trata mal um cachorro, ele volta no dia seguinte abanando o rabo. Ele
esquece os mal tratos e não se sente insultado. Nós, porém, temos a capacidade
não apenas de lembrar, mas também de nutrir esse agravo psicológico dentro de
nós. É isso que traz medo e suspeitas aos nossos relacionamentos. As crianças
também são capazes de se magoar, mas em poucos dias esquecem a mágoa e
rapidamente voltam à velha amizade. À medida que envelhecemos, torna-se cada
vez mais difícil fazer isso. Esse é o início do processo do ego.
Seria
possível não registrar nada psicologicamente? Registrar somente fatos, não
insultos ou bajulações? Não pretendo fazer objeção à memória como um todo,
porque a memória factual e necessária, não cria ilusões nem alimenta o ego.
Porém, a memória psicológica interfere na qualidade dos relacionamentos no
momento presente. Uma pessoa que brigou com seu marido ou esposa há dois anos
pode lembrar-se factualmente da briga, mas se não estiver carregando resíduos
psicológicos, em termos de mágoa, a lembrança não afetará seu relacionamento
atual. É a memória do insulto que constitui a memória psicológica, e é isso que
cria dificuldades no relacionamento.”
P. Krishna, A ilusão do ego, Revista Sophia, Ano 4, Nº
13, p. 41