O CONFLITO ENTRE DESEJO E PENSAMENTO

   


 "Este conflito pertence ao que pode ser chamado de estágio médio da evolução - aquele longo estágio que fica entre os estados do homem inteiramente governado pelo desejo, apossando-se de tudo que quer, sem ser refreado pela consciência ou perturbado pelo remorso, e o estado do homem espiritual altamente evoluído, em que vontade, sabedoria e atividade agem em harmoniosa coordenação. Surge o conflito entre desejo e o pensamento - com o pensamento começando a compreender sua relação com o não eu e os outros eus separados, e o desejo, infuenciado pelo objetos à sua volta, movendo-se por atracões e repulsões, atraído daqui para ali por objetos sedutores.(...)

    O hábito de se apossar e desfrutar foi estabelecido durante centenas de vidas, e é forte; enquanto o hábito de resistir a um prazer presente para evitar uma dor futura está apenas começando a se estabelecer, e consequentemente é muito fraco. Por isso durante muito tempo os conflitos entre o pensador e a natureza do desejo terminam numa série de derrotas. A jovem mente lutando contra o corpo do desejo maduro é constantemente derrotada. Mas cada vitória da natureza do desejo, seguida que é por um breve prazer e por uma dor prolongada, dá origem a uma nova força hostil a si mesma, que revigora a força de seu oponente. Assim, cada derrota do pensador lança a semente de sua futura vitória, e sua força cresce diariamente, enquanto diminui a força da natureza do desejo.

    Quando isso é claramente entendido não mais lamentamos nossas próprias quedas nem as quedas daqueles que amamos, pois sabemos que essas quedas estão assegurando a firme fundação do futuro, e que no ventre da dor está madurecendo o futuro conquistador.

    Nosso conhecimento do que é certo e errado crece a partir da experiência, e só é aprimorado pelas provações. O senso de certo e errado, agora inato no homem civilizado, foi desenvolvido por meio de inúmeras experiências. (...)

    Esta luta está expressa no lamento:'Faço o que não quero, não faço aquilo que quero; aquilo que não quero fazer, isso eu faço'. 'Quando quero fazer o bem, o mal está presente em mim.'  Aquilo que fazemos de errado, quando o desejo é contrário à ação, é feito pelo hábito do passado. A vontade fraca é subjugada pelo desejo forte.

    Ora, o pensador, no conflito com a natureza do desejo, chama em seu auxílio essa mesma natureza, e se esforça para despertar nela um desejo que será oposto ao desejo contra a qual está combatendo. Assim como a atração de um imã fraco pode ser vencida por um mais forte, é também possível fortalecer um desejo para sufocar o outro; o reto desejo pode ser despertado para combater o desejo errado. Eis o valor de um ideal."


Annie Besant, Um Estudo sobre a Consciência, Ed. Teosófica, Brasília 2014, pgs.189/190