O VEÍCULO DO DESEJO (Parte II)

    


 "O desejo, à medida que integra em si materiais mais grosseiros, deve ser controlado pela mente, recusando-se a retratar o prazer passageiro que a posse do objeto acarretaria, mostrando a si mesma a tristeza mais duradoura que causaria. À medida que nos livramos da matéria mais grosseira que vibra em resposta às atrações mais abjetas, essas atrações perdem todo o poder de nos perturbar.

    Deve-se então tomar o veículo dos desejos pelas mãos; as atrações que chegam até nós do exterior estarão em conformidade com a sua construção. Podemos atuar sobre a forma, mudar os elementos que a compõem, e transformar o inimigo em defensor.

    Quando o homem está evoluindo em caráter, ele é, não obstante, confrontado com uma dificuldade que muitas vezes o deixa alarmado e deprimido. Ele se vê abalado pelos desejos que evita, dos quais se envorgonha; e apesar de seus tremendos esforços para deles se livrar, eles ainda se prendem a eles e o atormentam. Eles vão de encontro aos seus esforços, suas esperanças, suas aspirações, e ainda assim de algum modo parecem lhe pertencer. Essa experiência dolorosa deve-se ao fato de que a consciência evolui mais rapidaente do que a forma, e as duas estão, até certo ponto, em conflito mútuo. Ainda existe no corpo astral uma considerável quantidade de agregações grosseiras; mas à medida que os desejos se tornam mais refinados, eles não mais vivificam esses materiais. todavia, algo da antiga vitalidade aí persiste, e embora essas agregações estejam em declínio, elas ainda não se foram totalmente. (...)

    Podemos pegar o exemplo dos sonhos para mostrar essa atuação da matéria estéril no corpo astral. Um homem, numa vida anterior, foi um ébrio, e suas experiências pós-morte imprimiram nele profundamente a repulsa à bebida; ao renascer, o Ego imprimiu essa aversão aos novos corpos físico e astral. No entanto, havia no corpo astral alguma matéria atraída para aí pelas vibrações causadas no átomo permanente pela antiga embriaguez. Essa matéria não é vivificada na vida presente por nenhum anelo pela bebida, ou concessão ao hábito de beber, pelo contrário, quando desperto, o homem é sóbrio. Mas nos sonhos, essa matéria no corpo astral é estimulada à atividade a partir do exterior, e sendo fraco o controle do Ego sobre o corpo astral, essa matéria responde às vibrações pela ânsia de beber que chegou até ela, e o homem sonha que bebe. Ademais, se ainda houver no homem o desejo latente pela bebida, fraco demais para se afirmar durante a consciência de vigíia, ele pode surgir durante o sono. Pelo fato de a matéria física ser comparativamente pesada e difícil de mover, o desejo fraco não tem energia suficiente para causar vibrações nela, mas esse mesmo desejo pode mover  matéria astral muito mais leve, e assim o homem pode ser arrastado por um desejo que não tem qualquer poder sobre ele em sua consciência de vigília.

    Esses sonhos causam muita angústia porque não são compreendidos. O homem deveria compreender que o sonho mostra que a tentação foi vencida até onde lhe diga respeito, e que ele é perturbado apenas pelo cadáver dos desejos passados, vivificado de fora no plano astral, ou, se vivificado por dentro, então o será por um desejo morimbundo, fraco demais para abalá-lo em estado de vigília. O sonho é um sinal de uma vitória quase completa. Ao mesmo tempo é uma advertência; pois diz ao homem que ainda existe em seu corpo astral a matéria capaz de ser vivificada pelas vibrações do anelo da bebida, e que portanto ele não deve colocar-se durante o estado de vigília sob condições onde essas vibrações sejam abundantes. Até que tais sonhos tenham cessado inteiramente, o corpo astral não está livre da matéria que é uma fonte de perigo."

Annie Besant, Um Estudo sobre a Consciência, Ed. Teosófica, Brasília, 2014. pgs. 186/187