QUEBRANDO OS LAÇOS

 


          


    "Para romper os laços dos desejos, devemos recorrer à mente, onde jaz o poder que irá primeiramente purificar e depois transmutar o desejo.

    A mente registra os resultados que se seguem à apropriação de cada objeto do desejo, e assinala se foi dor ou felicidade que resultou da união daquele objeto atraente, descobre que a resultante foi a dor, ela registra o objeto como aquilo que deve ser evitado no futuro. (...)

    Então surge a contenda. Quando aquele objeto atraente mais uma vez se apresenta, o desejo lança seu arpão e o apanha, e começa a arrastá-lo para si. A mente, lembrando os resultados dolorosos de prévias capturas semelhantes, esforça-se para deter o desejo, para cortar com a espada do conhecimento o laço atraente. Um conflito violento assola o interior do homem; ele é arrastado pelo desejo, refreado pelo pensamento. Muitas e muitas vezes o desejo irá triunfar, e um objeto será apropriado; mas a dor resultante sempre é repetida, e cada sucesso do desejo suscitará contra ele outro inimigo nas forças da mente. De modo inevitável, embora lentamente, o pensamento mostra-se mais forte, até que finalmente a vitória lhe sorri, e chega o dia em que o desejo torna-se mais fraco do que a mente, e o obejto atraente é solto, o nó que o prendia é cortado. Para esse objeto, o laço está rompido.

    Nesse conflito, o pensamento procura utilizar contra o desejo a própria força do desejo. Ele seleciona objetos do desejo que proporcionam uma felicidade relativamente duradoura, e busca utilizar esses objetos contra os desejos que rapidamente resultam em dor. Assim ele irá opor o prazer artístico ao prazer sensual; usará a notoriedade e o poder politico ou social contra os gozos da carne; estimulará o desejo de satisfazer o bem, de fortalecer a abstenção e desejos viciosos; e finalmente fará o desejo de que a paz eterna conquiste os desejos por alegrias temporárias. Por meio da grande atração, as atrações inferiores são mortas e deixam de ser objetos do desejo. (...)

    Somente por meio do eu como pensamento pode ser dominado o eu como desejo; o Ser, compreendendo que é a própria vida, domina o eu corporificado, pensando ser a forma. O homem deve aprender a se separar dos veículos nos quais deseja, pensa e age, a concebê-los como parte do não Ser, como material externo à vida, assim, a energia que fluiu para os objetos de desejos inferiores flui para o desejo superior guiado pela mente, tornando-o preparado par ser transmutado em vontade.

    À medida que a mente inferior funde-se na superior, e a supeiror naquilo que é sabedoria, o aspecto de pura vontade emerge como o poder do Espírito, Autodeterminada, Autogovernada, em perfeita harmonia com a Vontade Suprema e, portanto, liberta. Somente então são rompidos todos os laços, e o Espírito não é reprimido por nada fora de si mesmo. Então, e somente então, pode-se dizer que a vontade é livre."

Annie Besant, Um Estudo sobre a Consciência, Ed. Teosófica, Brasília, 2014, pgs. 183/184