A BUSCA CIENTÍFICA E ESPIRITUAL (Parte III)

 

    
          

    “Por que será que a busca científica tem progredido tanto, mas a busca espiritual tem andado para trás, tem afundado? Devemos examinar essa questão, porque ela é responsável pelo desenvolvimento assimétrico do homem e responsável pela atual condição da humanidade. Na busca científica o progresso é cumulativo; o que quer que o homem faça, o próximo cientista é capaz então de aprender num período de tempo mais curto e de acrescentar mais coisas. A busca espiritual não é assim. O fato de Buda ou Jesus Cristo terem descoberto uma ordem em sua consciência, uma dimensão de amor e compaixão, isso não ajuda seus filhos ou seus estudantes a descobrirem-na mais facilmente. O estudante deve descobrir por si próprio, fazendo ele mesmo toda a pesquisa. Não é apenas uma questão de conhecimento acumulado, de se ler a Blíblia, a literatura budista, ou a literatura hindu, ou qualquer literatura, porque apenas pela aquisição do conhecimento de todas as religiões, filosofias, etc., você pode se tornar um professor de filosofia, mas jamais se tornará um Buda.

    Até certo ponto isso é verdadeiro mesmo em ciência. Não apenas ensinamos as leis de Newton ao aluno no quadro negro; nós o levamos ao laboratório e, quando ele faz todas as experiências e vê como a lei opera, então aprende e diz, ‘Ah, é esse o significado’ e verdadeiramente compreende.

    Da mesma maneira, e muito mais ainda na busca espiritual, a pessoa deve aprender por si mesma e descobrir o que Jesus Cristo e Buda descobriram e descreveram. Infelizmente nem sempre é o que tem acontecido na história. (...) O crescimento interno deixou de acontecer e a compreensão não chegou às suas mentes. Assim, pode-se, por exemplo, encontrar uma pessoa que seja membro de uma igreja, que detenha uma alta posição religiosa, mas que seja extremamente cruel: ela não encontrou o amor e a compaixão em sua consciência. Não faz muita diferença no que ela acredita. Importa o que o ser humano é, e não o que ele pensa ou acredita.

    Mas temos sido muito ingênuos, muito tolos na persecução da busca espiritual. Aliás, no sistema educacional quase a eliminamos completamente. Acreditamos que ela não é necessária. Não basta dizermos às crianças o que deve fazer ou não. Basta? Será que a realização de certos tipos de ações trará gentiliza à consciência? Nós não inquirimos, nem ajudamos os nossos filhos a inquirir sobre isso. Não cultivamos absolutamente a busca espiritual. Passamos oito horas por dia durante quinze a vinte anos com uma criança ensinando-lhe como um foguete chega à lua, mas jamais lhe ajudamos a compreender seu relacionamento com o prazer, se o prazer é a mesma coisa que felicidade do espírito, ou se é o que causa a divisão entre os homens. Não explicamos às crianças o motivo pelo qual certas diferenças são vistas somente como diferenças enquanto outras criam divisões, etc. Até mesmo os adultos estão muito confusos a respeito dessas questões, e por que não estariam? A busca científica e material consome do homem vinte anos antes de ele se tornar um cientista, e não despendemos sequer algumas horas para a busca espiritual.

    Pensamos que basta acreditar em alguma coisa, continuar com alguns conceitos imaginários. Um homem tem uma crença e outro homem tem suas próprias ideias, sua própria crença, e os dois se matam. É assim que nascem as guerras religiosas. (...) O cientista busca a ciência. A não ser que ele também descubra a ordem no universo externo e compreenda essa ordem, ele não é um cientista; não é apenas uma questão de adorar um grande cientista ou aceitar a sua autoridade, o que ele afirmou, como sendo verdadeiro.

    Por que isso não se aplica à busca espiritual? Será que basta que um homem realize certa cerimônia, use um tipo particular de vestimenta e balbucie alguma coisa em sânscrito, latim ou grego, para que ele se torne um religioso, um homem espiritual? Não será preciso que ele tenha experimentado um estado interior de consciência? Não terá ele de entender de amor e compaixão antes de ser um religioso? Olhemos para o que tem acontecido na religião ortodoxa – vejamos o caso do Cristianismo. A Igreja dividiu-se em católicos e protestantes porque havia diferenças de opinião sobre como organizá-la, o que fazer e o que não fazer. Agora existem dois grupos de pessoas que são membros de diferentes igrejas, e tem havido entre esses dois grupos, como ocorreu na Irlanda, violência e morte. Mas o cristianismo começou com o Sermão da Montanha que diz: amai vosso próximo, voltai a outra face ao homem que vos atinge. Está claro que não temos sido inteligentes no campo da busca espiritual. (...)”

P. Krishna, Educação, Ciência e Espiritualidade, Ed. Teosófica, Brasília, 2013, pag. 21/25