IMAGINAÇÃO E REALIDADE II

 

                            Continuando com o tema sobre Imaginação e Realidade de N. Sri Ram, ele nos faz refletir que precisamos da Vontade para usarmos a imaginação. Mas não uma vontade que é gerada pela força e também não confundi-a com desejo, mas a vontade divina. Nos mostra que a imaginação pode ser científica, artística, desvairada, enfim, deveremos discernir o que estamos criando com a nossa mente.



                            "Na realidade criamos tanto com a imaginação quanto com a vontade, e a vontade não é uma mera aplicação da força, mas a vontade do Espírito que provoca a ação e produz uma chama. São duas faculdades por meio das quais as maiores realizações tornam-se possíveis; são as gêmeas celestes, como duas curvas esplêndidas que se encontram em uma bela cúspide. No reino das descobertas científicas, em toda literatura grande e inspiradora, em cada forma de arte, podemos ver a imaginação em ação em uma gama infinita de modos e expressões possíveis.

Existe algo que podemos chamar de imaginação científica, que sempre desempenhou papel importante na realização de novas descobertas e invenções. Antes da descoberta dos raios hertzianos e da invenção do telégrafo por Marconi, seria bastante surpreendente ouvir dizer que havia algo no espaço, fosse éter ou algum outro elemento, que pudesse conduzir ondas ao redor do globo, e que essas ondas podiam ser transformadas para lá e para cá em sons que pudessem ser ouvidos a grandes distâncias. Como poderia alguém chegar a tal concepção? Primeiramente ele deve ter imaginado a possibilidade de certas ondas viajando através do espaço, estando familiarizado com os fenômenos das ondas, e depois de um conjunto de ondas sendo transformado em outro, tendo visto a similaridade entre um movimento ondulatório e outro. Ao juntar vários elementos de experiência prévia em uma nova ordem, ele chegou a uma nova conclusão ou efeito. O telégrafo tornou-se possível como a materialização da forma que foi construída pela imaginação, certamente após muitos testes e incidentes físicos.

A Teoria da Relatividade de Einstein é outro exemplo notável de uma hipótese imaginativa. Certas partes dela não são suscetíveis de aceitação com base no raciocínio de nossa experiência prática, pois quando ele fala de espaço curvo e de um Universo infinito está avançando proposições que são totalmente desconhecidas para as mentes nutridas por nossa experiência normal. Todavia, sua teoria oferece o melhor caminho encontrado pela Ciência até aqui para explicar e predizer certos fenômenos. Ela foi aceita porque respondeu a inúmeros testes práticos a que fora submetida.

A natureza da imaginação deve necessariamente variar segundo a natureza da pessoa que imagina. Deste modo, existem muitos diferentes tipos de imaginação, dependendo de como ela atua e do que se ocupa. O lunático forma todo tipo de imagens fantásticas a partir de uma mente desordenada com gostos grotescos ou degenerados. Um amante imagina (ou mais verdadeiramente é capaz de perceber) uma graça divina e uma beleza no objeto de seu amor. Devido a uma sensibilidade aumentada ele vê o que os outros não conseguem ver, e possivelmente algo que ele mesmo não vira antes ou possa não ver novamente. Um poeta usa ainda outro tipo de imaginação, introduzindo nas suas imagens das coisas externas seus sentimentos muitas vezes humanos e delicados, movido por uma profunda simpatia com a ideia ou vida neles corporificada.

Pode-se justificadamente argumentar que algo que não tenhamos experimentado, mas tenhamos somente imaginado, seja meramente uma projeção de nós mesmos, o produto de uma mente condicionada. Projetamos algo que se adapta aos hábitos e às inclinações da mente, e lhe atribuímos uma existência independente ou objetiva. Como podemos fazer o processo de imaginação corresponder à verdade ou realidade, e não ser um mero fato de autopercepção? (...)

A imaginação tem não apenas suas limitações, mas pode também fazer com que nos extraviemos. Com relação ao oculto, seja oculto em um estado puramente subjetivo ou existindo objetivamente além de nosso alcance, a imaginação consegue facilmente tornar-se a criação de mera ilusão. Ela é então uma projeção de um terreno de ideias e inclinações já formadas, semelhante ao que acontece nos sonhos nos quais não há como conferir com a realidade das coisas como são. Ocultismo é uma ciência; não significa carregar um fardo de fantasias preferidas.

A imaginação pode ser volúvel, errante, desequilibrada e mesmo doente e mórbida. Vemos exemplos assim em muitas pessoas psicopatas, nos insanos que sofrem de ilusões torturantes de sua própria criação. Essas pessoas alegremente se livrariam de suas ilusões, mas são incapazes de delas se livrarem. Existe uma estranha semelhança entre as doenças da mente e as do corpo. A mente pode inchar, ficar desarticulada ou paralisada. Na vida comum, quando o elemento pessoal penetra em algumas lembranças, afeta as linhas, as cores e as sombras das impressões feitas pelos próprios eventos, exagera suas diferentes partes, e assim distorce e deforma todo o quadro. (...)  

Precisamos de imaginação, e precisamos também nos livrar daqueles perigos e excessos criados pelas reações do passado, os gostos e as aversões, os ódios e as paixões que devastam o nosso pensamento. Devemos manter o que imaginamos, como tão facilmente faz o cientista avançado com cada teoria e, como ele, estar prontos a submetê-la a todo tipo de teste prático. Seria bom não estarmos muito certos e não nos presumirmos um conhecimento muito próximos das verdades e estados de ser que se encontram além do nosso alcance. A intensidade de emoção e vivacidade pode ser para nós um índice de validade, mas a vivacidade depende não apenas da verdade intrínseca da experiência, mas também de nossas reações pessoais, que, todavia, dependem de nossa consciência e impulsos, objetivos e expectativas inconscientes. (...)"

N. Sri Ram, Um Vislumbre da Realidade, Editora Teosófica, pgs. 104