O QUE É E O QUE NÃO É MEDITAÇÃO II

    Depois de tecer vários comentários sobre o que não é meditação, como não ser ela um estado de inconsciência, ou de não escutar nenhum ruído; comentando, inclusive, sobre a repetição de certos mantras, Rohita Mehta chega no ponto em que explica o que é a atenção entre as duas respirações, que muito ouvimos de meditantes experientes, mas não compreendemos o processo. É interessante que leia o excerto, para entender como a meditação é importante na vida diária do homem moderno, uma vez que o autor nos leva a refletir que há necessidade de uma total tranformação para que possamos encontrar as soluções duradouras para a nossa existência.




 "Acredita-se geralmente que a meditação requeira concentração sobre um tema nobre e elevado. Antes de mais nada a meditação não é um processo de concentração. Um tal processo é excludente por sua própria natureza, o que implica que certos pensamentos indesejáveis e desnecessários devam ser barrados. Mas como não é possível qualquer interrupção consciente do pensamento todos os processos de concentração estão fadados a se mostrarem inúteis. A meditação também não diz respeito a qualquer tema particular. Apenas porque o tema é Deus, a Verdade, a Beleza, a Bondade, ou qualquer outro conceito nobre e elevado, nem por isso a pessoa aproxima-se um pouco sequer da meditação. Em última análise a meditação é destituída de todos os temas. Todos os temas devem ser abandonados antes de a pessoa chegar à cintilante experiência da meditação. E assim não importa onde e com que tema a pessoa comece sua meditação. Mesmo o tema mais nobre e mais elevado tem que ser abandonado antes da chegada da experiência da meditação. (...)

    O que é esse estado de não pensar nem interromper o pensamento, não resistir nem induzir, não excluir nem identificar? No antigo e profundo livro de Kashmir Saivism intitulado Vijñānabhairava, existe uma instrução dada ao estudante de meditação que diz ‘Mantém-te atento entre as duas respirações’. Mais adiante pede ao estudante para compreender o estado ‘aonde o sono ainda não chegou, mas o estado de vigília já desapareceu’. A mente do homem não consegue compreender o estado de não estar nem dormindo nem desperto. Essa não é uma condição de se estar semi-adormecido e semidesperto. É um estado onde não há nem sono nem vigília. Obviamente que esse estado refere-se a um intervalo – um intervalo entre duas respirações, um intervalo entre dois pensamentos ou entre duas experiências. A mente do homem não conhece um tal intervalo, pois sempre lança uma tela de continuidade sobre tudo que acontece. Confere continuidade a quadros que de outro modo estariam estáticos através da atuação do seu próprio mecanismo de projeção. É esse projetor que oculta o intervalo. E assim o que vemos é somente a continuidade, mas o fenômeno da vida é descontinuidade em meio à continuidade, insinuações do Não Manifesto em meio à manifestação. Se virmos apenas o movimento incessante da manifestação e jamais compreendermos a serenidade do Não Manifesto, então o movimento da manifestação estará despojado de todo significado. É através das intimações do Não Manifesto que o Manifesto passa a fazer sentido. Mas tais intimações só podem ser sentidas ou experienciadas no intervalo de descontinuidade. A percepção do intervalo chega somente ao Terceiro Olho, e é somente no intervalo que o Terceiro Olho pode ser encontrado. (...)

    Mas meditação significa apenas uma percepção do intervalo? O que acontece após a percepção? Certamente que a meditação não é uma fuga para a terra da Bem-aventurança ou Nirvana. A consciência do homem não pode permanecer sempre no momento atemporal. Ela funciona na esfera do tempo. A experiência do momento atemporal indica uma negação do processo do tempo? Se assim for, uma tal meditação não tem validade na vida diária do homem. Não pode ter relevância na solução dos desconcertantes problemas da vida. O homem que medita não é apenas o que ascendeu, ele é também o que caiu. Do momento atemporal ele deve retornar à esfera do tempo.

     O tema da meditação deve ser explorado tanto em extensão quanto em profundidade. Em sua profundidade ele fala da comunhão com o Não Manifesto – o não existente, para empregar a frase usada por H.P. Blavatsky. Mas a meditação, como é entendida em termos de extensão, refere-se à comunicação das intimações do Não Manifesto a todo o terreno da manifestação de modo que os campos ressecados da vida diária possam ser irrigados com as águas frescas da experiência transcendental e atemporal concedida naquela percepção do intervalo que verdadeiramente é o âmago da meditação. O homem espiritualizado tem que ser tanto eficaz quanto eficiente. Sua eficácia depende de como recebe as intimações do Não Manifesto, mas sua eficiência depende de sua habilidade em traduzir essas intimações para a linguagem do dia a dia do mundo. O homem moderno deve sofrer uma total transformação em sua vida se quiser encontrar soluções duradouras para os problemas desconcertantes da vida. Isso demanda o estabelecimento de um ritmo, um ritmo contínuo, entre comunhão e comunicação, entre as intimações do Não Manifesto, e suas traduções na vida diária do homem. O que é essa transformação total, e como deve o homem chegar até ela de modo que o processo de vir a ser seja constantemente inspirado pelo toque da Existência?"

Rohit Mehta, A Ciência da Meditação, Editora Teosófica, Brasília, pg. 18/21